E eu? Eu tenho uma sensação de que parece que foi ontem que me vesti de preto e te enterrei aqui. Pás nas mãos, suor no rosto por cavar fundo o buraco na terra e saco preto envolvendo os restos de amor manchado de lama. Na tua lápide eu mandei gravar impropérios e comprei rosas. Muitas rosas vermelhas. Para que fossem símbolo maior do que representas: beleza efêmera cheia de espinhos que penetram fundo.
Meu sentimento não é amor. É menos nobre. Minto! Não há nobreza nele. O que sinto é desejo de vingança, egoísmo e um amargo na boca por ainda ter a cicatriz dos espinhos que foram tão bem penetrados. Chorei meu luto, ri meu luto, me fiz indiferente ao meu luto e troquei o preto-dor por um outro preto. Um preto-luz. Aquele que despertava teu desejo e calava sentimentos mais complexos.
Hoje, dessas tantas vestes, negras ou não, é o desejo quem me envolve. Aquele que você mandou embora, anos antes de morrer e me fez sentir a pessoa mais estranha do mundo por ainda mantê-lo guardado em mim. Aquele que hoje, ainda que sem nome de prostituta decadente e com olhos escuros, me faz ainda mais alta, mais inteligente, mais mulher, mais sofisticada no paladar e nas companhias, mais charmosa com meus cabelos curtos e mais feliz com meus dentes na quantidade exata. O mesmo desejo que mostrou que tenho corpo bonito, sinto delírio, tenho arrepio, anseio por um toque, dou uns gemido, faço bem ou faço muito bem (depende da inspiração - que você perdeu o interesse em dar). Esse mesmo desejo que você não soube viver e poderia ter salvo tanta coisa, me ensinou que era só minha a escolha quando resolvi te matar e disse para os céus que contigo já era chegada a hora da partida, porque viver uma "relação-sulfê-de-chuchu", nunca foi a minha vocação. O desejo que agora me leva para outros braços, tão bom de abraços e cheiros e suores, é o mesmo que faz brotar de mim uma gargalhada alta, porque a nova mocinha ainda não sabe o quanto de desejo vai ter que engolir se quiser continuar a ser teu par por mais de quatro anos. Eu, cansei.